terça-feira, dezembro 13, 2005

Não há coincidencias...?


“Mais uma noite fria. Um frio que parecia vir do polo norte, quase insuportavel. Mas estar em casa era como morrer aos poucos sem se entregar à luta, sem fazer um esforço por dar um sinal de vida que fosse, que chamasse a atenção de alguem para o salvar.
A ansia de não cair no esquecimento, de não se entregar à letargia obrigava-o a sair de casa. Metia-se no carro, onde tocavam sempre as mesmas musicas, escolhidas quase a dedo. Umas mais alegres que outras, mas não eram essas que queria ouvir nessas noites. Essas não ajudavam a pensar, pelo menos no que ele (não) queria pensar. Desta vez tinham de ser as lentas, aquelas que normalmente diz-se acompanharem os pensamentos profundos.
Como de costume, quando saía sozinho de casa sem destino marcado, ia para a praia. Pelo caminho mal iluminado ja ia esboçando os seus pensamentos pela mente. Estacionava o carro virado para o aeroporto. A noite fria, mas sem vento desenhava as luzes da cidade e do proprio aeroporto na agua calma e limpida, fazendo um retrato digno de ser exposto em qualquer galeria do mundo.
Ali ficava, dentro do carro, sozinho a ouvir as mesmas musicas de sempre, as chamadas musicas intemporais. Àquelas horas já não passava por ali muita gente. Apenas dois ou três carros se encontravam estacionados a distancia consideravel, com namorados agarrados e vidros um pouco embaciados do calor da paixão que não passava os limites do seu proprio carro.
Os mesmos pensamentos de sempre não o largavam... que fazer? Que fazer para sentir um pouco de vida a escorrer pelas veias? Era indiferente olhar ou não para aquela paisagem nocturna deslumbrante. Com os olhos abertos ou fechados os pensamentos recaiam sempre sobre a mesma pessoa. Era sempre a sua silhueta que via, em qualquer lado que fosse, a qualquer hora do dia, invariavelmente. Qualquer coisa que fizesse era sempre com a ideia de que ela havia de dar valor a isso. Mas não. Por mais que tentasse, ela parecia só notar os defeitos, nos poucos momentos em que não o ignorava. Os seus actos pareciam ser sempre vulgares e insipidos para ela, apesar de serem sempre feitos a pensar nela. Se ele lhe perguntasse pelas suas qualidades (por mais narcisista ou egocentrico que possa parecer agora) talvez o silencio fosse ensurdecedor. Assim pensava ele.
Se ele tivesse que enumerar as qualidades que via nela, ficava ali tempos infindaveis a contar os pormenores. Para ele, ela não tinha defeitos, apenas pequenos detalhes que a tornavam na pessoa unica e especial que era aos seus olhos. Os pequenos detalhes que fazem os diamantes serem perfeitos, ou que tornam os sons cristalinos, ou que fazem dos primeiros raios solares uma dadiva gloriosa. Era isso que ela era para ele, uma dadiva: unica, singular e inigualavel no mundo.
E assim ficava ele, tantas noites a remoer no seu interior, a procurar soluções. Essa noite era uma delas. Ali ficava, de olhar perdido nas luzes reflectidas na agua. Sem dar pelo tempo passar, e sem encontrar uma solução que pudesse fazer a diferença. Porque tudo o que fazia parecia não merecer um pingo da atenção de quem ele queria.
Outra noite como tantas outras.
Mais uma vez entregou-se à evidencia de não ter soluções.
Mais uma vez voltou sozinho para casa sem ter o conforto de um beijo tão desejado.
Mais uma vez, a morrer aos poucos sem dar luta, sabendo que no dia seguinte seria igual, mais vinte e quatro horas a pensar no mesmo, tal como as vinte e quatro horas anteriores.
Com sorte podia ser que desta vez dormisse sem sonhar com ela.
Com sorte podia ser que conseguisse finalmente descansar.
Com sorte...”

........................Nelson Gonçalves

Mais uma parvoice, mas pelo menos não foge ao habitual das restantes, felizmente ninguem aguenta ler mais que o primeiro parágrafo. Para variar é dificil adormecer outra vez, a pensar em demasiadas coisas que não se deve, ou em quem não se deve...

Bola para a frente.






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