quarta-feira, março 22, 2006

Com uma hora e pouco de atraso



Apenas à hora do jantar fiquei a saber que tinha sido o dia internacional da poesia. Como tal não podia deixar de colocar aqui uma singela homenagem a dois dos meus poetas preferidos. E também mais uma coisa de um desconhecido pseudo-escritor/pseudo-poeta sem talento(s).

O mais nobre sentimento

Não digas aquilo que não sentes
Podes um dia vir-te a arrepender
Por cada vez que mentes
Um dia hás-de ver-te a sofrer

Não há nada melhor que a verdade
A qualquer altura, a qualquer momento
Pois é a base da verdadeira amizade
Esse sim, o mais nobre sentimento

É o nosso barco durante um dilúvio
O colete de salvação num naufrágio
O único abrigo da solidão e do repudio
É o som cristalino de um adágio

Faz sempre o que a tua alma te diz,
Se alguém alguma vez te perguntar
Então responde: "Sim, fui eu que fiz."
Não recuses o que o teu coração mandar.

Tenta aprender comigo
Que já fiz tanta asneira
Passo a vida a ver se consigo
Remedia-las de alguma maneira

.............................(Nelson Gonçalves)


Em vão

Passo triste na vida e triste sou,
Um pobre a quem jamais quiseram bem!
Um caminhante exausto que passou,
Que não diz onde vai nem donde vem.

Ah! Sem piedade, a rir, tanto desdém
A flor da minha boca desdenhou!
Solitário convento onde ninguém
A silenciosa cela procurou!

E eu quero bem a tudo, a toda a gente...
Ando a amar assim, perdidamente,
A acalentar o mundo nos meus braços!

E tem passado, em vão, a mocidade
Sem que no meu caminho uma saudade
Abra em flor a sombra dos meus passos!

(Florbela Espanca)



É assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes
e como arranjas
os cabelos e como
a tua boca sorri,
ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada,
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde
vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz
e sombra és.
Chegastes à minha vida
com o que trazias,
feita
de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há-de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro.


(Pablo Neruda)








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