Finais felizes...
...quem não quer?
(este é bem comprido... se os outros já ninguém tinha pachorra para ler até ao fim, este então ninguem passa do primeiro parágrafo)
O bar estava cheio, como de costume em vésperas de fim-de-semana, com muitas das habituais caras, mais uma ou outra cara desconhecida e com as enormes núvens de fumo que o caracterizam, em noites destas.
Ele já não tinha grandes forças para continuar a viver assim, e ainda ía na primeira bebida... coisa que não costumava acontecer. Por norma, só costumava queixar-se de si próprio e da vida que levava mais tarde na noite, quando o álcool lhe começava a subir à cabeça e o mundo parecia um barco em mar revolto, numa qualquer noite de tempestade como parecia ser aquela.
Ali ficou, a remoer a sua existência, até ao momento em que a viu a dançar no meio da pista, qual sereia à entrada do porto de Copenhaga, qual serpente que hipnotisa a sua presa, à espera do momento certo para atacar. Uma beleza capaz de fazer suspirar um defunto, como se tal fosse possivel. E, curiosamente, era como ele se sentia, moribundo...
Largou o licor beirão com sumo de limão, ainda nem metade tinha bebido, e dirigiu-se para a pista de dança. Nunca tinha sido visto naquela pista de dança, não era seu habito, até detestava por achar que não tinha jeito para aquelas andanças.
Chegou-se perto dela, entrou no ritmo e deu-lhe um ligeiro toque na anca. Ela acusou o toque e sorriu. Ele não se fez rogado e foi-se chegando aos poucos, até estarem a uma distancia que inpedia a mais ténue corrente de ar de passar.
Pôs uma mão à volta da cintura dela e ali estavam, frente a frente, corpos colados, mãos nas ancas um do outro, dois corpos que pareciam um só, a dançarem a um ritmo que parecia praticado durante anos, como se conhecessem cada centimetro do corpo um do outro e antevessem o próximo movimento a seguir.
Ele fez uma caricia na angelical face dela, que nem sabe se agora avermelhada do calor que sente subir pelos dois corpos ou se do calor de tanta gente dentro do bar.
Com o indicador da mesma mão ele começa a percorrer lentamente a face dela, passando pela ponta do nariz mais lindo que o de Cleopatra, pelos lábios que clamam por atenção, pelo queixo esculpido em perfeição, pelo pescoço doce e suáve como nenhum outro, chegando ao centro do peito onde acaba o fio reluzente que ela ostenta em volta do pescoço. O mesmo peito que alberga um coração em nítida aceleração de extase, como que antevendo o prazer de ser tomada como uma princesa merece ser.
Ela tenta chegar-se a ele, na esperança de um beijo pelo qual há muito os lábios gritam em silêncio. Nesse instante ele faz um pouco de força com o dedo, afastando-a. Ela fica apreensiva, deixando-se abater.
Enganou-se... ou sente-se enganada...
De repente o indicador desprende-se do peito dela, e essa mesma mão agarra-a pela mão. Com um pequeno puxão faz ela rodopear sobre si própria, e quando ela acaba a volta de 360 graus estão de novo colados um no outro. Ela já não sabe onde tem os pés, se no chão se no céu. Ele ampara-a agarrando-a pela cintura. Ela como que faz um nó em volta do pescoço dele, para não cair daquelas alturas a que ele a levou, mas também na esperança de que ele não se afaste.
Beijaram-se... e a musica parou.
Aquilo que para os comuns mortais durou poucos segundos, para aqueles dois deuses no seu Olimpo pareceu durar 2 ou 3 eternidades.
A musica deixou de ter importancia e a dança já era coisa superflua, já há uns instantes que não seguiam qualquer ritmo em particular, a não ser o deles proprios. Foram para um canto onde o som da musica não se fazia sentir tanto e onde os tropeções e encontrões da pista de dança se esbatiam na figura de pessoas que apenas ali estavam para conversar na companhia de um copo e pouco mais faziam que bater o pé ao compasso do ritmo.
- Como te chamas?
- És linda, mas isso deves ouvir dezenas de vezes por dia.
Ela corou um pouco mais, com um sorriso que iluminava aquele pequeno canto do bar, ainda escuro para o resto das pessoas em volta.
- Como te chamas?, voltou a perguntar.
- Desde que te vi que ando com os pés no ar, junto ao tecto. A cabeça nas nuvens e as mãos a quererem chegar a ti, a tentar alcançar as estrelas.
- Mas como te chamas?
-Não sei que nome te dizer. Aquele com quem dançaste ali não costuma ser o “eu” que normalmente reconheço em mim. Nunca fui de fazer aquilo, nem sei ao certo se fui mesmo eu quem esteve ali a dançar contigo. Mas quero sê-lo... para ti.
E beijaram-se outra vez, desta vez um beijo mais longo, menos espontaneo e inesperado mas igualmente sentido, como se de um primeiro beijo se tratasse.
Ela levou-o pela mão para a rua mas ao chegar lá fora ele travou.
- Agora tenho de te mostrar um pouco do meu verdadeiro “eu”.
- Então?
- Sou uma pessoa que precisa de um minimo de certezas. Pode ser estupidez minha, mas sou assim mesmo. Preciso de saber que amanhã não te arrependerias de tudo o que pudesse acontecer hoje. Por isso não posso ir contigo, agora. Foi até agora a noite mais feliz da minha vida, mas vamos ficar por hoje assim, a pensar que os proximos dias e as proximas noites vão ser as melhores que o mundo já viu. E saber que vamos ser o centro de toda a inveja desta cidade, pela felicidade de nos termos encontrado aqui, nesta noite. Encontramo-nos ali, naquele jardim junto à estátua. Amanhã, pelas 3 da tarde, para ti serve?
E apontou na direcção do busto de um qualquer personagem que deveria ter sido importante, mas que não faziam ideia de quem fosse.
Ela fez um ligeiro sorriso, como quem sente uma enorme felicidade de ver que ele se importa. Enlaçou novamente os braços à volta do pescoço dele e beijou-o como nunca tinha beijado ninguém. Assim ficaram abraçados por uns instantes. Não queriam que a noite acabasse, mas foi ali mesmo que se separaram, cada um para seu lado.
No dia seguinte lá estava ele junto ao busto do rei que eles nunca se lembrariam do nome. Com uma singela flor mas na mão, mas com uma imensidão de beijos para lhe entregar, espaçadamente, com a calma de quem tem a vida toda pela frente.
Ali ficou até anoitecer.
Ela nunca apareceu.
(Nelson Gonçalves, 27/10/2006)
Nota: decidi acabar o post por aqui, porque se o post tivesse seguido até onde eu cheguei quando o escrevi... nem sei o que diriam... se é que alguem vai ter paciencia e tempo livre para ler isto tudo...
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