Os "sinais" são apenas mentiras que contas a ti próprio
Nunca a hora de ponta parecera tão longa.
Filas intermináveis de carros quase a perder de vista e ainda nem a ponte se encontrava ao alcance do olhar. E o sol abrasador queimava a pele, como se de um fósforo aceso encostado a uma vela se tratasse. O tempo passava e nada de novo, apenas um pequeno movimento de meio metro a cada cinco minutos que passavam.
À frente, numa station wagon cinzenta novinha em folha, um casal tentava manter em sossego os dois irrequietos filhos no banco de trás, cada um com não mais que 5 ou 6 anos de idade. E o esforço dos pais mais não era do que em vão. No carro ao lado, um homem já com alguma idade, de cabelo grisalho com abrangentes entradas que se fundiam com as têmporas, mantinha a sua pose de médico ou advogado dentro do seu potente carro preto de vidros ligeiramente escurecidos, no calmo abrigo do seu ar-condicionado, enquanto reacendia o seu cachimbo de aroma certamente intragável.
No carro de trás uma rapariga nova, com os ombros descobertos perdidos no meio da sua blusa de alças, pele brilhante e cabelo moreno preso atrás com uns quantos rebeldes a caírem-lhe em volta da cara, numa manifestação dos seus caracóis a quererem deixar clara a sua existência.
Cada vez que ele olhava pelo espelho retrovisor decorava um novo detalhe naquela rapariga, e a cada olhar seu ela parecia corresponder com um sorriso que se confundia entre o inocente e o maroto, mas era difícil passar pelos óculos escuros que faziam de fortaleza para os olhos dessa rapariga e não conseguia saber se esse sorriso era para si. Uma e outra vez olhava pelo espelho e o cenário repetia-se. Até ao momento em que ela tirou os óculos e não havia como enganar, afinal ele era mesmo o destinatário daquele ininterrupto sorriso que se misturava com o brilho intenso do sol sobre a chapa quente de algum dos carros em redor.
Desprendendo-se do espelho virou-se para trás, para olhar directamente para aquela bonita rapariga que lhe sorria daquela maneira, no meio das filas da hora de ponta…
…e nunca a hora de ponta pareceu tão longa.
Ela então limpou o para brisas… não. Estava afinal a acenar-lhe e como resposta viu-lhe pela primeira vez o sorriso estampado na face dele, coisa que não conseguira fazer através do espelho pelo qual apenas lhe via a zona dos olhos. Ele acenou de volta.
Através de gestos tentou dizer-lhe um número mas falhava sempre algum dígito. Embaciou o vidro e desenhou os números ao inverso, de modo a que ele percebesse, mas a força do calor fazia com que os números desaparecessem antes que ele os conseguisse ler. Ao ver as tentativas dela se frustrarem e decidido a não deixar passar uma oportunidade como esta não esteve com meias medidas e ali, no meio de trânsito em apitos infernais, no meio da hora de ponta, saiu do carro e foi em direcção a ela. Durou pouco tempo, nem precisava durar mais, ela deu-lhe um cartão comercial, com o nome e número pessoal, e ele voltou para o carro enquanto ela dizia “fico à espera”.
Chegado ao carro, pegou no telemóvel e… não tinha bateria. Neste momento a fila começa a avançar avidamente, sem dar tempo para grandes reacções e no meio de toda a confusão outros carros de pessoas mais impacientes se colocaram entre os dois carros de enamorados.
Ao chegar à portagem, e no meio da sua habitual atrapalhação, em vez de dar o talão de pagamento deu o cartão com o nome e numero dela, que ao ser-lhe devolvido, qual testemunho falhado numa final olímpica de estafetas, acabou por cair, saindo a voar com o vento e perdendo-se para sempre…
…e nunca a hora de ponta pareceu tão longa.
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