Dois euros
A mansão à beira-praia não deixava margens para engano. Naquele palacete, nos segredos dos seus 5 quartos com vista sobre a baía, passando pela enorme sala de jantar com a sua mesa de 26 lugares, até à sala de jogos/lazer no rés de chão... ali vivia um ser bafejado pelo luxo que toda a riqueza podia comprar. A garagem/cave guardava a 7 chaves a colecção de 16 dos carros mais luxuosos do mundo, além das 34 motas de colecionador... a juntarem pó. Já raramente saíam de lá.
A empregada da limpeza, responsavél pela herculeana função de manter tudo limpo, ficava dias sem ver ninguem. Passeava-se pelas 26 divisões da casa como se fosse tudo seu. O patrão... esse passava o tempo todo trancado no atelier/sotão. Era o seu templo sagrado, onde não podia ser perturbado... o seu muro das lamentações. Perdia o tempo a olhar o infinito. Ele, que havia nascido e crescido nos bairros mais pobres da cidade, que construira todo o seu império a pulso, sem olhar a meios nem a ninguem... mas aquilo era o seu mundo, a sua conquista. Nunca tivera amigos, apenas conhecidos, uns menos interesseiros que outros, uns mais por interesse que outros.
Mas o seu império desmoronava-se aos poucos. A pessoa com quem decidira dividir a sua vida, a pessoa a quem confiara seus segredos, os seus momentos de fraqueza, os seus raros momentos de sensibilidade e afecto, a pessoa que fazia ele transmitir uma sombra humana que fosse, deixara-o. Havia trocado todo aquele luxo e conforto por uma aventura com o conselheiro juridico do seu marido... e pelo caminho havia levado todas as joias que conseguiu pegar, afinal tinham-lhe sido oferecidas.
Ficara destroçado. Ele, que sempre espezinhara quem fosse preciso para obter o que queria, havia sido espezinhado agora, pelo veneno que carrega a mulher no seu sangue. Trancou-se no sotão, que em tempos servira de atelier de pintura para a sua mulher. Quiça até para os seus encontros com o amante que com ela tinha fugido. Ali passava os dias, fitando o mar e pensando numa forma de por fim a tudo.
Numa noite, já vencido pela força da bebida, aparece-lhe envolta numa nuvem gélida uma figura familiar. As feições faziam lembrar-lhe a mulher que em tempos tivera algum significado na sua vida. Numa voz profunda e cavernosa, disse-lhe:
- A tua hora chegou... de esta noite não passas... venho propor-te um negócio... um ultimo negocio...
Por um lado, ficou contente... finalmente havia chegado a sua hora. Não precisava mais de encontrar razões para seguir vivendo uma vida que há muito não fazia sentido para si mesmo. Ao ouvir uma ultima vez uma proposta de negócio, seus olhos como que ganharam uma outra cor, e escutou com toda a atenção que lhe era possivel.
A figura misteriosa continuou...
- Dou-te a escolher... dás-me toda a tua fortuna e sentirás o sabor da vingança sabendo que a mulher que te abandonou terá um fim hediondo, para além do pior que possas imaginar... dás-me 2 euros e tens garantida a entrada no paraiso, pois a riqueza que ficar será usada para ajudar os menos afortunados...
À sua mente veio a imagem mais clara que tinha da sua mulher... e do seu conselheiro juridico, e na sua mente juntou as duas imagens... o sangue ferveu, fechou o punho com uma força que há muito desconhecia ter, cerrou os dentes enquanto seus olhos pareciam se consumir em raiva e sede de vingança. Nem pensou duas vezes.
- Dou-te tudo o que tenho... ela que sofra, que bem merece, depois do que me fez... quero que ela arda no inferno... e que morra de olhos bem abertos, para se ver a apodrecer!!
- Muito bem, fizeste a tua escolha... passa por este portal e será como decidiste.
Na manhã seguinte, seu corpo foi encontrado no chão junto à piscina. Havia se atirado pela janela do sotão. A versão oficial apontou para suicidio...
Sua mulher...? Herdou toda a sua fortuna e viveu feliz durante muitos e longos anos.
Dois euros e talvez tivesse comprado a felicidade...
..............................(da autoria de Nelson Gonçalves, a 19/9/2005)
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