quinta-feira, janeiro 04, 2007

Na casa da mais profunda infância


O mau estado é mais que evidente, mesmo para quem passa ao largo, na estrada. Não é dificil perceber que está ao abandono, há já vários anos, mais de uma década, certamente, apesar de não poder dizer com toda a certeza.
Empurro a porta de entrada devagar, tudo ali parece querer ruir ao mais leve toque. Faz-se ouvir o guinchar das dobradiças, perfeitamente normal por há muito tempo não serem usadas nem saberem o é que serem oleadas.
Em quatro passos percorro o pequeno corredor de entrada... pensar que antes tinha de dar mais uns quantos... chego então à divisão que servia de cozinha, de sala de refeições e de sala de estar, onde se acendia o fogo que nos aquecia nos invernos... nos poucos que ali passei.
Sinto uma enorme nostalgia, de ver aquele salão praticamente nú, despido da mesa que ali ao centro se encontrava e sobre a qual jantavamos. Também sinto a falta dos armários, que se encontravam juntos à parede do lado de lá. E, nas outras paredes, as molduras com fotografias bem antigas, a preto e branco, de familiares que nunca conheci... também não estão lá.
Lembro-me que tinhamos sempre muitas cadeiras, todas elas já com alguns muitos anos de existencia, mas mesmo assim sem deixarem de ser seguras. Era o ponto de encontros e conversas, entre a vizinhança, ou onde se ficava a ouvir rádio, antes de se saber o que eram televisões por estas bandas.
Agora só restam três dessas cadeiras. Uma delas chamou-me mais a atenção.
Lembro-me perfeitamente daquela cadeira. Não era das de tampo em palha, como algumas das outras. Aquela era toda ela em madeira bem sólida.
O castanho escuro, com pequenos enfeites em relevo, junto com quatro aplicações de metal agora enferrujado - um em cada canto da cadeira. O manto de poeira não é suficiente para enganar.
É aquela a minha cadeira preferida, de outros tempos. A cadeira onde tinha dificuldades em me sentar, por ser tão alta - ou por eu ser tão pequeno. A cadeira onde me sentia crescido, como todos os outros. Onde me sentava e sonhava em crescer.

Está desolada e abandonada, a casa onde passei a maior parte do tempo, até aos meus cinco anos, onde viviam os meus bisavós... os unicos bisavós que cheguei a conhecer.
Limpo o pó ao tampo da cadeira. Tenho de ter algum cuidado, por causa da minha alergia, mas não me importo muito se nesse dia sair dali a tossir ou espirrar. Com a palma da mão faço um pouco de pressão para ver se ainda se aguenta... ao som do ranger da madeira velha e pouco usada, sento-me na minha velha cadeira preferida...
...e sonho em voltar a ter cinco anos.






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