Vivências ou não
Fazia-se tarde.
Em surdina, as paredes ainda comentavam com os quadros pendurados as cenas que tinham acabado de presenciar. As caricias trocadas, os longos beijos que interrompiam os gemidos de prazer sussurrados entre braços e pernas enleadas. As voltas, as cambalhotas, as gargalhadas e os sorrisos cumplices de dois corpos em busca da satisfação muito mais que carnal - no entanto é sempre a carne que fica com a fama, quando o desejo é ardente e quer cortar o acesso ao oxigénio.
Não queria ir embora, mas sabia que tinha de ser. O seu tempo dentro daquele quarto esgotara-se... e que tempo tinha sido. Mas esses momentos já tinham passado. E ele agora sabia que tinha de sair daquele quarto, porque já não era o seu lugar, já estava a mais ali dentro. Não queria ir, porque sabia que assim que saisse dali o mundo voltava a girar e o tempo voltava a andar. Dentro daquele quarto o tempo parava e o mundo lá fora deixava de existir. Ali dentro não havia fome ou sede que ele não fosse capaz de saciar no corpo dela. Não havia tempo a passar nem nada que perturbasse os momentos em que tudo parece perfeito numa vida.
Pegou no casaco. Olhou-a nos lindos olhos castanhos e disse, contrariado, o habitual “Adeus, boa noite” com que sempre se despede, guardando para si o "Adoro-te" que sempre tem vontade de dizer. Voltou-se para a porta, rodou a maçaneta bem devagar na esperança de ouvir um “Não vás”. Por momentos pensou ter ouvido isso mesmo e hesitou. No fundo sabia que era ele próprio a querer enganar-se e que o silêncio não tinha sido quebrado, a não ser pela própria mente na sua imaginação.
Abriu a porta e saiu sem saber se algum dia voltaria a entrar.
Por momentos o mundo tinha parado... mas voltou a girar.
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