Um eterno abraço de solidão
Fotografia gentilmente
Para trás já ficaram as montanhas, que nunca estiveram realmente perto, nem nunca foram objectivo. Ficaram para trás, como pano de fundo de um horizonte alternativo que não se escolheu. Em frente, uma estrada a perder de vista com ligeiras curvas desenhadas numa planície quase perfeita, apenas com uma ou outra ligeira subida e descida, que permitem ver o futuro, a grandes distâncias. De tempos a tempos, pequenas reuniões quase secretas de não mais que trinta árvores a envolver a estrada, de um lado e outro, a conspirarem contra a deserção aparente que os arbustos baixos se prestam a imitar, a imagem de um enorme deserto feito de arbustos até onde a vista permite ver.
Consegue-se vislumbrar ao fundo um pequeno ponto que se salienta do resto da planicie, num tom provocatório – como se de um dedo em riste se tratasse - que se vai tornando mais insolente e visivel, com o passar do tempo, com o passar das riscas de uma estrada que parece interminavel. Trata-se, afinal de contas e apenas, de um enorme edificio, erigido naquele ponto propositadamente para marcar o fim do trajecto - ou o inicio de um retorno, para quem o quiser ver assim.
A planicie, também ela, encontra o seu fim. Ao se chegar perto do edificio, encontra-se uma ravina arrogante, imponente e de certa maneira um pouco atrevida, a meter respeito a quem se aproxima demasiado com o intuito de desafiá-la, com a intenção de contradizer a pequenez do ser humano, perante a magnitude de tal construção milenar da natureza.
O carro já ficou lá atrás, perto do edificio que marca o ponto final, a chegada ao destino apontado no mapa. O céu, escurecido pelas nuvens que teimam em esconder o sol, deixa entender uma chuva miudinha que afinal de contas nem se sabe bem se é mesmo chuva. Dá a sensação que o céu é sempre assim, ali no ponto onde se encontram dois mares, onde a terra encontra o seu fim e o céu e o mar se fundem num só.
A duvida persiste e não se percebe bem se é chuva ou se não será apenas o resultado da violência com que as ondas se suicidam contra as rochas alaranjadas da ravina, esculpidas de forma indelével pela fúria avassaladora de dois mares que se confrontam naquele ponto numa batalha sem fim.
Toda a natureza é aviso à navegação, ninguém é bem vindo, nenhum ser é querido naquela parte do mundo. No entanto, algumas especies de aves persistem em viver por entre os penhascos e as ravinas, em busca de um ou outro peixe mais descuidado, que se deixe prender pela força das marés revoltas e imprevisiveis, resultantes da luta entre os dois mares.
A proximidade do abismo dá vontade de criar asas, e voar. O próprio vento forte empurra na direcção de volta à terra, em tom de aviso.
“Afasta-te”, parece dizer, em tom autoritário.
Tudo ali parece autoritário, ditatorial e talvez seja esse mesmo autoritarismo que leva a querer confrontá-lo, a desafiá-lo. A tentar provar que podemos vencê-los, a eles, os elementos da natureza. A pequenez humana, sempre a tentar fazer das suas, a tentar fazer-se maior do que realmente é.
E voar... para quando?
Se esta viagem tivesse existido, o passo seguinte só podia ser um...
...pegar no carro e voltar para trás.
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