No templo dos ciprestes
(texto com alguns anos, resgatado do fundo da gaveta para finalmente
ver a luz do dia)
Deitado, inerte e imóvel me deixo ficar, debaixo destas árvores.
Disseram-me em tempos que são ciprestes, as arvores que vulgarmente
são usadas em muitos cemitérios por esse mundo fora.
Compreendo o porquê de gostarem tanto de usar essas árvores
nesses locais: a sua forma cónica faz parecer que estão a apontar para cima,
como que indicando o caminho para o céu imaculado e paradisíaco que espera as
almas nobres, quando estas se finam…
Desenganem-se.
O céu… o céu pertence aos pássaros, aos aviões e naves
espaciais, aos planetas e às estrelas. O céu…
Para além disso apenas serve para alimentar os sonhos irreais
de quem passa demasiado tempo acordado a pensar “como será, se…”, “o que teria
sido, se…” ou “como seria, se…”.
O céu alimenta-se de se’s, sejam eles presente, passado ou
futuro, devora-nos o tempo que passou e queima-nos o tempo que está para vir,
reduzindo a pó os sonhos que teimamos em fazer acordados, enquanto ele próprio
se enfeita de estrelas reluzentes, planetas distantes que nunca visitaremos e
utopias… o céu...
Deitado, debaixo destas árvores, onde o sol nunca me
chegará.
Inerte, seis palmos debaixo da terra, não se reencontra com ninguém
do nosso passado.
Apenas o vazio que se vai apoderando aos poucos de uma alma
que não se apaga, de uma memória que perdura quando já não devia e que relembra
uma velha invenção humana - que alguém decidiu chamar de “segundos” – ao ritmo
da batida imaginada de um coração que há muito se calou.
Não, não fui para o céu e o meu inferno pessoal foi ficar
nesta espera eterna por algo que nos foi vendido à nascença, nesta espera de
quem em tempos acreditou que o céu nos acolherá no nosso descanso, os de alma
nobre…
Alma nobre?…mais valia ser louco. Mais valia… inerte mas
louco.
O tempo sempre passaria mais depressa, neste inferno feito
espera que nunca terá fim.
O céu…? Não me lixem.