Item da lista "coisas que devia fazer e não faço"
Mais um fim de dia de trabalho, com um já habitual tardio regresso a casa, depois de apanhar o barco para a margem sul, alguns minutos de comboio e alguns minutos de passeio a pé até casa.
Mala na mão, portátil a tiracolo mas com o cuidado de não estragar o fato de executiva que passa o dia todo escondido debaixo da bata branca.
No céu as nuvens vão-se juntando ao compasso de um vento frio que se faz sentir no intervalo das chuvas de Abril. E ela lá vai se protegendo do vento como pode, escolhendo meticulosamente o trajecto pelas poucas ruas que conhece, do percurso que se habituou a fazer nos últimos meses, desde que se mudou.
À medida que se a próxima de casa a chuva ameaça começar a cair, mostrando-se através de uns esporádicos pingos mais atrevidos. Já na rua onde mora vê a silhueta de um homem ali perto, num canto mais escuro. Esforça-se por manter a cadência do seu passo, para não dar a entender algum incomodo ou receio, à medida que pega logo na chave da porta, para perder o mínimo de tempo a entrar.
Quando se encontra a 5 metros da porta de casa o homem sai do abrigo que lhe proporciona a sombra e deixa-se ser visto. Dá dois passos na direcção dela e pára, à medida que baixa o capuz que lhe cobria a cabeça.
- Tu? - diz ela com um ar surpreso, mas aliviada ao mesmo tempo por ser alguém conhecido, para questionar logo de seguida - …mas que fazes aqui?
- Estava pelas redondezas e lembrei-me de vir perguntar se querias ir tomar um café.
- A sério? Mas… mudaste-te para cá, vieste em trabalho??
- Não, continuo por lá. Simplesmente saí do trabalho, peguei no carro e lembrei-me que talvez quisesses ir beber um café comigo.
- Saíste do trabalho…? Mas são 300 kms!!
- Eu sei…
Ele começa então a mostrar alguns sinais de nervosismo, uma mão bem fundo no bolso das calças ao encolher os ombros e a outra mão a refugiar-se na nuca, um ligeiro pontapé numa pedra que encontrou pelo chão enquanto desviava o olhar para o chão para tentar não mostrar esses mesmos sinais. Balbuciou um pouco, estremeceu mais, e hesitou mas lá continuou a falar.
- …sabes, há muito tempo que reparei em ti. Lembro-me perfeitamente da primeira vez que te vi, com a cara pintada, a roupa suja e um sorriso de quem estava a adorar as brincadeiras que lhe pregavam. Durante uns tempos vi-te com as tuas amigas a divertirem-se e o sorriso de quem estava feliz. Depois desapareceste por uns tempos. Passados uns anos, por força do trabalho voltaste a entrar nos meus horizontes, começámos a falar e quase vivia para ver o teu sorriso todos os dias. E agora vieste embora e sinto falta do teu sorriso… por isso vim perguntar-te… se querias ir tomar um café comigo.
- Mas como deste com o sitio onde moro?
- Foi complicado. Tive de fazer uns quantos telefonemas, ficar a dever alguns favores… ninguém me conseguiu dizer a morada exacta, o melhor que consegui foram umas indicações. Mas vi ali o teu carro estacionado e esperei que pudesses aparecer.
- Pois. Não leves a mal, até ia tomar café contigo mas tenho planos.
- Ah. Pois… claro, devia ter telefonado antes. Tens planos… fica para outra oportunidade, então.
- Pois. Para outra oportunidade.
E ele voltou-se, cabeça a mirar as pedras que pisava em direcção ao seu carro, sem olhar para trás. Entrou no carro e nesse instante começou a chover como há muito não se via. Ali ficou, uns 5 minutos, com as mãos na parte superior do volante e a cabeça pousada sobre as mãos. Ligou o carro e arrancou de volta a casa, para os longos 300kms do regresso, para os quais não teve a mínima pressa, enquanto pensava na triste figura que tinha acabado de fazer.
Chegou a casa já madrugada alta, depois da mais demorada viagem de 300kms que tinha feito. A chuva não parava de cair, agora de forma menos severa, complacente com a tristeza que percorria todo o corpo daquele homem devastado. Estacionou o carro e encaminhou-se para a sua vazia casa. Meteu a chave na fechadura e atrás de si ouve uma voz.
- Olá.
Virou-se e ali estava ela, encharcada dos cabelos aos pés e com o sorriso que ele tanto admirava.
- Tu, aqui? Mas não tinhas planos?, perguntou ele.
-Telefonei à minha tia a desmarcar. Disse-lhe que tinha de ir ter com a minha vida.
Nesse instante ela pegou-lhe na mão e perguntou:
- Tens café?
Mala na mão, portátil a tiracolo mas com o cuidado de não estragar o fato de executiva que passa o dia todo escondido debaixo da bata branca.
No céu as nuvens vão-se juntando ao compasso de um vento frio que se faz sentir no intervalo das chuvas de Abril. E ela lá vai se protegendo do vento como pode, escolhendo meticulosamente o trajecto pelas poucas ruas que conhece, do percurso que se habituou a fazer nos últimos meses, desde que se mudou.
À medida que se a próxima de casa a chuva ameaça começar a cair, mostrando-se através de uns esporádicos pingos mais atrevidos. Já na rua onde mora vê a silhueta de um homem ali perto, num canto mais escuro. Esforça-se por manter a cadência do seu passo, para não dar a entender algum incomodo ou receio, à medida que pega logo na chave da porta, para perder o mínimo de tempo a entrar.
Quando se encontra a 5 metros da porta de casa o homem sai do abrigo que lhe proporciona a sombra e deixa-se ser visto. Dá dois passos na direcção dela e pára, à medida que baixa o capuz que lhe cobria a cabeça.
- Tu? - diz ela com um ar surpreso, mas aliviada ao mesmo tempo por ser alguém conhecido, para questionar logo de seguida - …mas que fazes aqui?
- Estava pelas redondezas e lembrei-me de vir perguntar se querias ir tomar um café.
- A sério? Mas… mudaste-te para cá, vieste em trabalho??
- Não, continuo por lá. Simplesmente saí do trabalho, peguei no carro e lembrei-me que talvez quisesses ir beber um café comigo.
- Saíste do trabalho…? Mas são 300 kms!!
- Eu sei…
Ele começa então a mostrar alguns sinais de nervosismo, uma mão bem fundo no bolso das calças ao encolher os ombros e a outra mão a refugiar-se na nuca, um ligeiro pontapé numa pedra que encontrou pelo chão enquanto desviava o olhar para o chão para tentar não mostrar esses mesmos sinais. Balbuciou um pouco, estremeceu mais, e hesitou mas lá continuou a falar.
- …sabes, há muito tempo que reparei em ti. Lembro-me perfeitamente da primeira vez que te vi, com a cara pintada, a roupa suja e um sorriso de quem estava a adorar as brincadeiras que lhe pregavam. Durante uns tempos vi-te com as tuas amigas a divertirem-se e o sorriso de quem estava feliz. Depois desapareceste por uns tempos. Passados uns anos, por força do trabalho voltaste a entrar nos meus horizontes, começámos a falar e quase vivia para ver o teu sorriso todos os dias. E agora vieste embora e sinto falta do teu sorriso… por isso vim perguntar-te… se querias ir tomar um café comigo.
- Mas como deste com o sitio onde moro?
- Foi complicado. Tive de fazer uns quantos telefonemas, ficar a dever alguns favores… ninguém me conseguiu dizer a morada exacta, o melhor que consegui foram umas indicações. Mas vi ali o teu carro estacionado e esperei que pudesses aparecer.
- Pois. Não leves a mal, até ia tomar café contigo mas tenho planos.
- Ah. Pois… claro, devia ter telefonado antes. Tens planos… fica para outra oportunidade, então.
- Pois. Para outra oportunidade.
E ele voltou-se, cabeça a mirar as pedras que pisava em direcção ao seu carro, sem olhar para trás. Entrou no carro e nesse instante começou a chover como há muito não se via. Ali ficou, uns 5 minutos, com as mãos na parte superior do volante e a cabeça pousada sobre as mãos. Ligou o carro e arrancou de volta a casa, para os longos 300kms do regresso, para os quais não teve a mínima pressa, enquanto pensava na triste figura que tinha acabado de fazer.
Chegou a casa já madrugada alta, depois da mais demorada viagem de 300kms que tinha feito. A chuva não parava de cair, agora de forma menos severa, complacente com a tristeza que percorria todo o corpo daquele homem devastado. Estacionou o carro e encaminhou-se para a sua vazia casa. Meteu a chave na fechadura e atrás de si ouve uma voz.
- Olá.
Virou-se e ali estava ela, encharcada dos cabelos aos pés e com o sorriso que ele tanto admirava.
- Tu, aqui? Mas não tinhas planos?, perguntou ele.
-Telefonei à minha tia a desmarcar. Disse-lhe que tinha de ir ter com a minha vida.
Nesse instante ela pegou-lhe na mão e perguntou:
- Tens café?