De tempos a tempos ocorrem reuniões “familiares” que se transformam em autenticas sessões de
brainstorming – mais
storming do que
brain, claro – e das quais saem teorias e conclusões no mínimo surpreendentes. Normalmente isto dá-se quando se sucedem uma série de coincidências, por exemplo a presença do Kasal K, ou uma sensação aromática a fazer lembrar orégãos, e por aí fora…
Numa das ultimas vezes a discussão tinha andado à volta da “manta de retalhos da avó” a que as pessoas carinhosamente apelidam de “camada de ozono”, tal era a camada… acho que também se chegou a falar de vacas a voar…
Este sábado deu-se nova reunião desse estilo e já o jantar ia a mais de meio quando as massas (umas mais cinzentas que outras, mas isso é do cabelo grisalho) começaram a entrar em efervescência. E tudo foi despoletado por uma simples frase, um mero “hmmm, aqui há sapo”.
Tenho de admitir que depois disso tenho pensado muito nesse tema. E as conclusões a que cheguei podem muito bem deixar perplexas as mentes mais desatentas.
A teoria dos anti-bufosHá toda uma sociedade secreta que tem como finalidade eliminar os sapos das nossas vidas. E porque digo isto? Simples, meu caro Watson. São vários os casos em que se pode ver que a simples utilização da palavra “sapo” foi pura e simplesmente obliterada.
Por exemplo, na gastronomia.
Antigamente comia-se Perninhas de sapo, agora é Pernas de rã.
Antigamente havia Sapos com tinta, agora é Chocos com tinta.
Sapo no churrasco passou a ser Frango no churrasco.
Arroz á Bulhão Pato era antigamente Arroz à Bulhão Sapo… e por aí fora.
Mas há outros campos em que a história foi alterada de forma a fazer desaparecer os sapos da imagem. D. João, mestre Sapo passou a ser mestre d'Aviz.
Na literatura, a obra de Eça de Queiroz deixou de se chamar "Os Sapos" e passou a ser um prosaico "Os Maias", sendo que a personagem principal, Salgueiro Sapo viu o seu nome reescrito para Salgueiro Maia – este até veio a ser um herói da revolução dos sapos, rebaptizada de revolução dos cravos só porque “ah e tal, um cravo sempre cheira melhor que um sapo” diziam à boca cheia.
A sabedoria popular desde longos tempos sempre soube, através de ditados, mostrar como o mundo fazia sentido, e no caso dos sapos também não fugia à regra. Apenas alguns exemplos, e a sua explicação (se é que era necessária):
- “a cavalo dado não se olha o dente” -> originalmente era “a sapo dado não se olha o dente”, e isto é tão evidente porque os sapos não têm dentes, logo seria perda de tempo procurar por eles.
- “quem sai aos seus não degenera” -> outro caso, em que um “quem sai aos sapos não é de Genebra” foi alterado a bel-prazer de um punhado de pseudo-iluminados. Numa altura da história mundial em que não havia sapos em Genebra, fazia-se alusão às pessoas com tom de pele esverdeada, língua grande e fina e ligeiras membranas interdigitais para se chegar à conclusão se uma pessoa seria ou não originária de Genebra.
- “mais vale um sapo na mão que dois a voar” é tão notório que nem devia explicar. Quantas vezes viram sapos voadores? Se apanharem um arriscam-se a ficar extremamente ricos, logo é bem mais valioso prender um sapo voador que deixá-los por ai a voar livremente. Pássaros? Isso é o que mais há por aí a voar. Isso é vulgarissimo.
A própria bandeira portuguesa era constituída por 5 sapos que simbolizavam ali as zonas antigamente pantanosas do Ludo. Estes 5 sapos da bandeira portuguesa foram “airosamente” substituídos por 5 fortalezas. Que temos nós a ver com fortalezas? No entanto estes animais estão a ser constantemente apagados da história da humanidade (e até de Portugal, em particular), e isto passa-se ainda hoje em dia.
A partir dos anos 60, com as mentalidades revolucionárias em ebulição, voltou-se a tentar colocar os sapos no seu devido lugar e isso foi mais notório no campo da música, com uma série de nomes conceituados do showbizz a trazerem uma lufada de ar fresco a este charco à beira-mar plantado. Porém os poderes instituídos já se encontravam enraizados novamente e as produtoras de música fizeram mais uma vez com que a palavra “sapo” se tornasse proibida, e o próprio som emitido por esse animal fosse tema tabu. Deixo apenas alguns exemplos…
O célebre “Sapo fininho” do Rui Veloso. Ainda do Rui Veloso, mas mais recentemente, o não menos conhecido “Não há sapos no céu”.
A mãe do rock português também viu a sua obra adulterada. José Cid cantava originalmente “se o sapo gosta de banana eu gosto de ti”. E acreditam mesmo que era "favas com chouriço na versão original"? Favas??
No inicio dos anos 90 Nel Monteiro cantava “há quanto tempo eu não comia um sapo destes, um sapo destes à portuguesa”.
Mas os clássicos também não escaparam.
“Eu tinha um sapo branco que se chamava Gingão” poderia ter-se ouvido nas rádios, não fosse a acção desta gente que se esconde por detrás do manto da suposta ordem e bons costumes. Outro caso foi “um sapo verde voava, voava (...) como ele somos livres de voar”.
“Sapos do Tejo”, do Carlos do Carmo, “O bacalhau quer sapos”, “Sempre que brilha o sol naquele sapo”, “Sapo de cartão” de Linda de Suza… a lista é interminável.
Até no futebol os sapos se viram ostracizados (e isto não tem nada que ver com as ostras!). Os sportinguistas, que eram conhecidos como os sapos passaram então a ser apelidados de lagartos… até hoje.
Meus amigos, vamos deixar de enterrar a cabeça na areia como as avestruzes (não) fazem - originalmente eram os sapos que apareciam nesta frase feita.
Vamos dar aos sapos o lugar que merecem… nos nossos corações e na nossa sociedade.
For those about to "coaxar", we salute you.
Alguem sabe como se diz coaxar, em inglês? Frog-talk não vale.