quarta-feira, janeiro 31, 2007

Surrealismo? Humanismo?
Outro "-ismo" qualquer?


Derrotado, mais uma vez e finalmente.
Uma das principais dificuldades que noto no ser humano é o facto de não se contentar com a sua natureza, ou melhor, com o que a sua natureza lhe reserva, desde que nasce. O ser humano simplesmente acha-se nascido para ser feliz em vez de nascer com a ideia de que se deve contentar. Ser contente deveria ser suficiente para o ser humano se sentir concretizado.
O ser humano nasce perdedor, e devia nascer preparado para perder, porque é isso que acontece durante uma grande maioria da sua exitência: perde. Arrisco-me a dizer que está destinado a perder à volta de 99% do seu tempo de vida, uns mais outros menos.

Assim, quando (eventualmente) aparece uma vitória, esse momento será glorificado ao ponto de ficar lembrado para o resto da vida, como um marco da passagem dessa pessoa pela Terra.
Por isso gosto dos jogos de sorte... ou de azar, se assim lhes quiserem chamar. Há sempre aquela desculpa do “Ah, foi azar...”. No entanto não é de azar que se trata, estava já destinado a ser assim, a ser mais uma derrota. Mas é sempre bom ter uma desculpa onde o ser humano se possa refugiar.
Surreal...

Derrotas morais... nada como derrotas morais. A maior parte das vezes derrotamo-nos a nós próprios, sem sequer darmos hipóteses de ser derrotados pela inevitabilidade da nossa natureza. Quase sempre conduzidos a esse desfecho pela nossa própria imaginação. Outras vezes somos conduzidos pela nossa mente a pensar que vamos finalmente triunfar, e aí... aí a queda é muito grande, tão grande que parece não ter fim.
Humano...

Farto de derrotas, numa altura derrotista como esta...
Para quando uma vitória? Será que falta muito tempo? Já passou muito tempo desde a última pequena vitória, que já nem lhe sinto o sabor, já nem me lembro...
A própria luta pela vida está condenada à derrota, desde o ponto de partida.




segunda-feira, janeiro 29, 2007

Sonoridades


Esta pequena maravilha que apresento na secção musical deste blog é simplesmente brilhante. Alguns talvez se lembrem de ouvir, no filme Drácula de Bram Stoker.
Aí fica a musica, no botão do play, à direita, e aqui em baixo a deliciosa letra desta música. Magnífica.
É "só" a Annie Lennox a cantar Love song for a vampire.


Come into these arms again
And lay your body down
The rhythm of this trembling heart
It's beating like a drum
It beats for you,it bleeds for you
It knows not how it sounds
For it is the drum of drums
It is the song of songs

Once I had the rarest rose
That ever deemed to bloom
Cruel winter chilled the bud
And stole my flower too soon
Oh loneliness
Oh hopelessness
To search the ends of time
For there is in all the world
No greater love than mine

Love O love O love
O love O love O love
O love Still falls the rain (still falls the rain)
Love O love O love
O love O love O love
O love Still falls the night
Love O love O love
O love O love O love
O love be mine forever (be mine forever)
Love O love O love
O love O love O love
O love O love O love
O love O love O love

Let me be the only one
To keep you from the cold
Now the floor of heav’n is laid
With stars of brightest gold
They shine for you
They shine for you
They burn for all to see
Come into these arms again
And set this spirit free

(Love song for a vampire, Annie Lennox)




domingo, janeiro 28, 2007

Uma espécie de coisa


Uma última vez

Explodes no meio da noite
em milhares de raios de luz,
como que dizendo ao sol
que não se encontra sozinho.
Da energia que libertas
ilumina-se um mar de mariposas
e um céu de aguarela
com o lado desconhecido da lua.
Por mais que te chame não ouves.
Passo por ti como se nada fosse,
como se o céu não tocasse o chão,
ou as ondas não morressem na praia.
A tua indiferença mata-me,
como já me matou tantas vezes.
Mata-me uma ultima vez, peço-te...
Mata-me... mas que seja de amores.

................Nelson Gonçalves (18/01/2007)



A imagem é um detalhe de Gates of Hell (Portas do Inferno), de Rodin.




sexta-feira, janeiro 26, 2007

"Love is timeless once it is given a chance"
é o que está escrito na foto


Não consegui evitar. Tive de me vir embora.
Estar ali parado, a olhar para aquela porta, estava a dar comigo em doido. Sei que não tinhamos nada combinado, nem assim podia ser... ou se calhar não devia ser. Mas aquela porta estava a assombrar-me e não conseguia aguentar mais.

Ali, encostado à parede, só conseguia era olhar para aquela porta maldita por onde tu havias de entrar, mais cedo ou mais tarde... mas o tempo passava e nada.
Entretanto, nesse espaço de tempo, vi-te entrar dezenas de vezes. E dessas dezenas de vezes que te vi entrar por aquela porta, afinal nunca eras tu. Era sempre outra mulher qualquer, onde eu ía procurar o mais pequeno pormenor que fosse que me lembrasse de ti, por muito diferente que ela fosse de ti... mas nunca eras tu.

Por isso tive que vir embora antes que realmente chegasses... porque aquela porta estava a dar comigo em louco... ainda mais louco do que aquilo que já sou por ti.
Desisti de ficar ali a olhar para uma porta que se recusava a trazer quem eu queria.

Afinal o que eu queria era que fosses tu...
a entrar por aquela porta e muito mais.




terça-feira, janeiro 23, 2007

(Pre)concebidos



Rude, como a sinceridade

Selas teus lábios de jasmim
antes que os ilumine em flor
Dizes-me, no deserto do meu jardim:
"Aqui secou a flor do teu amor..."

Gritas pelo fim da tempestade
que crias, sem saber, em teu redor
E exclamas, sem dó nem piedade:
"De nada serve essa coisa, o teu amor!"

De outras tristezas tens a cura...
De outras, mas não da minha dor
E gozas, olhando a minha sepultura:
"É aqui que morre o teu amor?"

Cravas fundo o teu nome em mim
como se fosse uma espada, e sem pudor
dizes-me, quando chega o meu fim:
"Não fui eu que te matei de amor?"

..................Nelson Gonçalves (23/01/2007)


Nota: a pintura é uma obra de Josephine Wall e chama-se "Earth Angel".




segunda-feira, janeiro 22, 2007

Rascunhos de um ser imaginário


Por vezes dou por mim imaginando-me a fazer-te uma declaração. Não sei precisar ao certo, mas acontece bastantes vezes, de uma forma quase absurda.
Chego a preparar declarações, plenas de sentimento, onde se podem encontrar todo o tipo de hipérboles, eufemismos e anáforas que te identifiquem e que demonstrem a perfeição que te descubro. Muitas vezes uso metáforas, sinestesias e alusões ao belo em ti.
Chego ao ponto de anotar algumas dessas declarações que te faço na minha imaginação. Normalmente são rascunhos apressados e envergonhados, feitos a correr com medo que a ideia se escape e que não me volte a lembrar. Curioso como as viagens de metro de volta a casa me deixam invariavelmente a pensar nisso, ou as tardes passadas numa esplanada qualquer onde vejo casais abraçados ou a trocarem caricias e sonho com isso para nós... e acabo por anotar isso, o bom que vejo em meu redor e que quero para nós, transportando-o para a fantasia que quero que seja a nossa realidade, um dia.
Vendo bem as coisas já devem ser milhares os rascunhos que tenho dessas declarações, alguns feitos em folhas limpas de um caderno qualquer que tenha à mão, ou simplesmente escritos em guardanapos de um café ou no canto mais claro de publicidade numa revista que esteja a ler.
Admito que com o passar do tempo muitos perderam-se nos confins da minha mente, por falta de meios para anotá-los, quem sabe até se não dos mais belos. No entanto os que não se perderam perduram, na eternidade da minha caligrafia por vezes quase imperceptivel, da pressa induzida pelo medo de que as palavras certas se esfumem antes que eu chegue a escrevê-las.

Hoje decidi juntar esses textos todos. Apenas juntá-los, sem lhes alterar uma vírgula que fosse. O texto final, que resultou da soma desses milhares de declarações dedicadas a ti, foi o seguinte:

"Meu amor."




sábado, janeiro 20, 2007

Discutir o quê...?


...não ía alterar nada, a estas alturas.

No need to argue, dos Cranberries, no botão do play, na barra da direita.


There’s no need to aruge anymore
I gave all I could
But it left me so sore
And the thing that makes me mad
Is the one thing that I had

I knew, I knew, I’d lose you
You’ll always be special to me

And I remember all the
Things we once shared
Watching tv movies on
The living room armchair

But they say it will work out fine
Was it all a waste of time
Cause I knew, I knew, I’d lose you

You’ll always be special to me

Will I forget in time
You said I was on your mind
There’s no need to argue
No need to argue anymore
There’s no need to argue anymore
Special

(No need to argue , The Cranberries)




Por vezes inconsequente a toda a hora


Hei de morrer em súplica, plantado a teus pés,
no fim de uma vida inteira regada com as nossas lágrimas.




terça-feira, janeiro 16, 2007

O preço da inocência


Zilef era uma crinaça de 6 anos que tinha tido o azar de nascer num daqueles países pobres em constante guerra civil.
O esforço de guerra por parte das facções era tal que todos os meios possiveis eram usados, daí ter ouvido, numa conversa entre os pais e familiares, que até as caricas valiam ouro. A sua procura era devido ao facto de serem recicladas para a produção de balas, as balas que depois sussurram o fim da vida e semeiam a destruição.
A guerra passava um bocado ao lado de Zilef, mas sabia que já tinha perdido 3 irmãos e muitos familiares às mãos daquele comboio de desgraças.
Sempre habituado a viver na mais profunda miséria, Zilef tinha um sonho que acalentava há muito tempo: ter um brinquedo como deve de ser, comprado numa loja normal e não apenas feito de restos de detritos atirados para o lixo pelas outras pessoas. Queria um brinquedo seu e que brilhásse. Mas era pobre e não tinha dinheiro, nem os pais lho dariam, pois já mal conseguiam sobreviver, no meio de tanta miséria e de tantos tiros.
Não tinha dinheiro mas, depois de ouvir a conversa dos pais com os familiares, sabia como conseguir comprar o brinquedo. No meio de tanta pobreza em que vivia não era dificil recolher uma saca cheia de caricas, entre os campos de lixeiras onde fazia as suas guerras de brincadeira, onde brincava ao apanha, ou jogava à bola com um monte de trapos velhos enrolados. Onde a doença andava de mãos dadas com a felicidade de crianças que se sentem livres para brincar, nem que seja por pequenos instantes até se ouvir a próxima rajada de tiros.
Zilef juntou caricas até encher uma velha saca de pano que encontrou também, no meio dos detritos alheios, e foi à loja mais próxima que se lembrou que existia.
Olhou e olhou para todos os brinquedos e parou perante o brilho em tons prateados de uma linda pistola de brincadeira, ao estilo dos cowboys e índios, que tantas vezes fazia parte das suas brincadeiras. Estava decidido, era aquele o brinquedo perfeito.
Chegou-se junto ao balcão e mostrando apenas a cabeça ao dono da loja pediu a pistola de brincadeira. O dono da loja entregou-a e disse o preço. Zilef agarrou na saca maltratada pelo tempo ou simplesmente pelos antigos donos que a jogaram fora, colocou em cima do balcão e respondeu "Bem, o meu pai disse que é ouro". O homem pegou na saca, abanou e ouviu o tilintar do metal. Aquele som despertou-lhe a ganancia e abriu-lhe um largo sorriso deixando bem evidentes dois dentes de ouro, um de cada lado da boca. "Está certo", disse sem conferir. Certamente estava ali uma fortuna bem maior que o preço do brinquedo, e uma criança tão nova nunca saberia se tinha direito a troco ou não.
Zilef tomou então o caminho de casa, feliz da vida com o seu brinquedo novo... com a sua pistola.
A meio do caminho começa um tiroteio entre as duas facções rivais do país e Zelif encontra-se bem no meio da rua. Lembra-se então dos irmãos que perdera e é nesse momento que pega na sua pistola reluzente e ergue-a bem alto e grita "Parem!".
Por momentos faz-se silêncio e o Sol desperta o prateado da pistola de brincadeira.
É nesse instante que uma bala sussura-lhe ao ouvido: "É o fim..."




sábado, janeiro 13, 2007

Desencontros inacabados


Sabes que por vezes pareces ser
fantasia feita doce e ternura
Enquanto o sol tenta nascer
ao mesmo tempo que a noite dura.

............Nelson Gonçalves (12/01/2007)




sexta-feira, janeiro 12, 2007

Notas de anonimato


Talvez te deva um pedido de desculpas.
Colocar-te assim no centro de um Universo que não escolheste deve ter-te deixado numa situação complicada, com todo o peso e importancia que tal cargo acarreta.
Tens de compreender que não é todos os dias que se encontra uma fonte de sorriso e alegria contagiante, e é normal que se queira guardar isso num local onde se possa sempre olhar, de qualquer ponto do mundo: o centro do universo.
Tenho quase a certeza que já o foste e talvez continues a ser, noutros universos de outras pessoas. Por isso também já deves estar habituada aos sorrisos estupidos sem razão aparente, que apenas provéem de te poder admirar e da felicidade que se sente de te poder admirar.
Pena que nem sempre olhes de volta, para veres a alegria e o desfile de sentimentos que provocas. Pena que apesar de estares no centro do universo, nem sempre estejas por perto.
Por vezes o centro do universo parece demasiado longe.
Nessas alturas tenho saudades tuas para sempre.




quarta-feira, janeiro 10, 2007

Quando os sons nocturnos se calam


Imagem de ewanr

Tento dormir, mas em vão. Não consigo.
Passa uma e outra hora e eu aqui às voltas, de um lado para o outro desta cama solitária, sem conseguir adormecer.
Falta-me dar-te o beijo de boa noite e dizer-te "até amanhã", para adormecer descansado, mas não estás cá.
Curiosamente nunca o fiz, mas nas outras noites acabo por me render ao cansaço e hoje isso parece não estar a acontecer. Invadiste a minha vida de tal forma que a partir de hoje não sei se conseguirei voltar a adormecer se sentir a tua ausencia aqui, ao meu lado.
Falta-me dar-te o beijo de boa noite e nem mesmo assim sei se será por isso que não caio no sono... pelo menos sonhar-te-ía mais uma vez, já não sería mau de todo.
Se te tivesse dado o beijo de boa noite será que adormecería descansado... ou será que ficaria acordado na ansiedade de que o amanhã chegasse para te encontrar ainda deitada ao meu lado?
Falta-me dar-te o beijo de boa noite, mas também falta dar-te o beijo de "olá, queres ficar comigo?"...




terça-feira, janeiro 09, 2007

Carta anónima endereçada a si próprio


Olá.
Sei que não me conheces... ninguém se conhece a si próprio o suficiente para o afirmar com toda a certeza.
Mas tenho vindo a ver como passas o teu tempo e a tua vida e cheguei a um ponto em que sinto necessidade de dizer alguma coisa.

Sei que quase a totalidade do que se passa contigo é por culpa directa e exclusivamente minha, mas garanto-te que não foi com intenção. Nunca foi vontade minha de magoar-te ou fazer-te sentir mal.
Deves perceber que sempre quis o melhor para ti... e por conseguinte, para nós. Se fiz escolhas erradas, foi sempre pensando que eram as escolhas correctas e as que te fariam o mais feliz possivel, vejo agora que não era assim tão fácil. A felicidade é muito complicada e dificil de se atingir.
Não se pode dizer que não tenha tentado. Simplesmente as coisas nem sempre correm pelo melhor, ou como se quer.

Esta carta que te escrevo esta noite, e que encontrarás amanhã de manhã na tua mesa de cabeceira ao acordar, é um pedido de desculpas que fazes a ti próprio. Desculpa se me magoei - como já disse, foi sempre com a melhor das intenções.
Aproveito também para te dizer que ainda não desisti de ti, de mim ou de nós. Vou continuar a tentar fazer tudo o que está ao meu alcance para que as coisas corram melhor, a partir de agora, tal como sempre tentei. Espero que com melhores resultados.
Estou por cá, sempre que precisares... basta falares contigo próprio... para falares comigo.

Um abraço, de ti para ti ou de mim para mim, se preferires assim.


Mais um pedaço de lixo saído directamente da imaginação lunática de alguém que não tem nada melhor que fazer a não ser perder tempo com parvoíces...




segunda-feira, janeiro 08, 2007

Tão longe... e afinal aqui tão perto


O fim das coisas doces é o presente mais amargo que se pode receber.
Devia ser sempre acompanhado por um chocolate ou um rebuçado, para que ficasse um sabor doce na boca, durante mais alguns instantes e assim o corte não sería tão brusco ou radical. Beber as lágrimas amargas a seco é, normalmente, muito doloroso e por mais que digam que só assim se sabe dar valor a novos sabores doces, não soa minimamente convincente...
Sería mais fácil, menos cruel, ir perdendo aos poucos o doce sabor de boca e eventualmente chegar-se-ía a uma altura em que esse doce sabor desapareceria sem que se desse tanto por isso.
Pergunto-me por que razão as coisas doces têm de ter um fim... só porque alguém se lembrou em tempos de dizer que tudo tem de ter um fim?
Pergunto-me porque é que o sabor a doce que me deixas na boca solitária tem de ser tão amargo...




Não respondas, tu sem nome pronunciável... não precisas...
e sei que não queres


Para quê dizer que algum dia escrevi sobre ti ou a pensar em ti? De que me serviria isso ou que diferença faría? Nenhuma, eu sei.
Nem faria qualquer sentido dizê-lo com que palavras fosse, porque apenas me trariam uma coisa e não a quero... não quero a tua pena, nunca quis. Quis sempre mais, muito mais.
Quis sempre mais do que aquilo que alguma vez me pudeste dar, tu ou outra pessoa qualquer. Por isso não levo a mal, nem a ti nem a ninguem que me tenha feito passar pela mesma situação.
Infelizmente é mesmo assim, é a condição humana que dita as leis, a mesma condição humana que te leva a distanciar de mim...
... a mesma que me leva a pensar que algum dia poderei vir a ser feliz.

Abram as garrafas de champanhe e celebrem, enquanto podem.
Eu... eu não preciso beber nada, neste instante. Porque estou aqui, onde ninguem me encontra, onde ninguem me alcança por mais que eu queira.




sexta-feira, janeiro 05, 2007

O café estava bom

Hoje foi publicada na internet a minha primeira "entrevista" virtual. Trata-se de uma iniciativa do Kontrastes 2.0 que consiste em perguntar a quem "bloga" o que é que acham da blogosfera e do seu impacto. É lá, no Kontrastes 2.0, que a podem ler, se estiverem interessados/curiosos.




quinta-feira, janeiro 04, 2007

Na casa da mais profunda infância


O mau estado é mais que evidente, mesmo para quem passa ao largo, na estrada. Não é dificil perceber que está ao abandono, há já vários anos, mais de uma década, certamente, apesar de não poder dizer com toda a certeza.
Empurro a porta de entrada devagar, tudo ali parece querer ruir ao mais leve toque. Faz-se ouvir o guinchar das dobradiças, perfeitamente normal por há muito tempo não serem usadas nem saberem o é que serem oleadas.
Em quatro passos percorro o pequeno corredor de entrada... pensar que antes tinha de dar mais uns quantos... chego então à divisão que servia de cozinha, de sala de refeições e de sala de estar, onde se acendia o fogo que nos aquecia nos invernos... nos poucos que ali passei.
Sinto uma enorme nostalgia, de ver aquele salão praticamente nú, despido da mesa que ali ao centro se encontrava e sobre a qual jantavamos. Também sinto a falta dos armários, que se encontravam juntos à parede do lado de lá. E, nas outras paredes, as molduras com fotografias bem antigas, a preto e branco, de familiares que nunca conheci... também não estão lá.
Lembro-me que tinhamos sempre muitas cadeiras, todas elas já com alguns muitos anos de existencia, mas mesmo assim sem deixarem de ser seguras. Era o ponto de encontros e conversas, entre a vizinhança, ou onde se ficava a ouvir rádio, antes de se saber o que eram televisões por estas bandas.
Agora só restam três dessas cadeiras. Uma delas chamou-me mais a atenção.
Lembro-me perfeitamente daquela cadeira. Não era das de tampo em palha, como algumas das outras. Aquela era toda ela em madeira bem sólida.
O castanho escuro, com pequenos enfeites em relevo, junto com quatro aplicações de metal agora enferrujado - um em cada canto da cadeira. O manto de poeira não é suficiente para enganar.
É aquela a minha cadeira preferida, de outros tempos. A cadeira onde tinha dificuldades em me sentar, por ser tão alta - ou por eu ser tão pequeno. A cadeira onde me sentia crescido, como todos os outros. Onde me sentava e sonhava em crescer.

Está desolada e abandonada, a casa onde passei a maior parte do tempo, até aos meus cinco anos, onde viviam os meus bisavós... os unicos bisavós que cheguei a conhecer.
Limpo o pó ao tampo da cadeira. Tenho de ter algum cuidado, por causa da minha alergia, mas não me importo muito se nesse dia sair dali a tossir ou espirrar. Com a palma da mão faço um pouco de pressão para ver se ainda se aguenta... ao som do ranger da madeira velha e pouco usada, sento-me na minha velha cadeira preferida...
...e sonho em voltar a ter cinco anos.




Confusões, confusões, confusões, confusões...


Oceanos esquecidos

Passou tanto tempo desde que vi o oceano.
Onde é que me perdi?
Onde é que troquei o calor das emoções
pelo frio calculismo
do aço e das torres de betão?
Desliguei-me de mim
e agora não me reconheço ao espelho.
Sou um estranho parado sem reacção,
reflexo triste daquilo
que em tempos foi um ser humano.
Há quanto tempo é que o sangue
deixou de me ferver nas veias?
Tento ferir-me e não sangro,
há quanto tempo me perdi
que já sequei por dentro?
Esqueci o toque de uma brisa
ou a frescura da sombra de uma arvore...
troquei-os pelo conforto da ignorância
e já nem me lembro onde fica o Sul.
Para que lado fica o oceano?
Que caminhos devo seguir?
Passou tanto tempo desde que vi o oceano...
...que já não sei o que é sentir.

...........Nelson Gonçalves (03/01/2007)




quarta-feira, janeiro 03, 2007

Pensa assim:
nem tudo é mau, não estou a ver onde, mas....


...e pensar que ele já lhe cantara baladas, mesmo sem os dois darem por isso.
...e pensar que ela até gostou de ouvir, ou pelo menos pareceu gostar.
Confuso... talvez a melhor palavra para identificar o mal que o corroía, naquele momento. Sem saber que passo dar, mas sabendo que o passo que daria sería o errado. Como habitualmente.
Indeciso... também. Sabe que não pode esperar que as coisas lhe caiam no colo, porque nunca acontecem por si só. Mas espera. Fica à espera de algo que nunca acontece.
O toque daquelas mãos nas suas levou-o a lugares onde nunca tinha estado. Guiaram-no por longos caminhos que nunca tinha trilhado. E onde é que vira? Onde é que pára? Onde é que fica, ficou ou ficaram? Pararam ou não? Ou só parou ele? E ela deixou-se estar ou continuou? Nem ele deu conta, nem ela lhe deu conta a ele.
Digamos que ficou assim... sem que ele saiba o que quer que seja.

E se nem ele sabe, como posso eu tentar escrever?




O ano do tudo, ou o ano do nada, ou o ano de mais do mesmo


Ano novo... ninguém diria.
Parece uma norma auto-instituida, fazer-se um balanço sobre o que passou, quer seja de bom ou mau.
Não o quero fazer.
Tenho por hábito juntar as palavras de forma demasiado amarga, que talvez leve as pessoas a interpretarem-me mal. Detesto que as pessoas pensem mal de mim, por causa de lerem o que escrevo e levarem a peito o que interpretam desse amontoado de palavras vagas.
Talvez diga apenas que tive momentos bons e momentos maus. Alguns momentos muito bons e alguns momentos muito maus... e muitos, mas mesmo muitos, desenganos e desencontros a juntar a alguns despertares de consciencia.
É melhor assim, caracterizá-lo o mais vagamente possivel. Quanto maior o silencio menos mal o barulho nos faz, ou não será...?

Outra ideia que me parece ser hábito, é fazer-se um balanço da passagem de ano.
Também não quero, nem vou fazer.
Quando tudo acabou ficou a habitual sensação de inutilidade. Mesmo que tivesse perguntado se era preciso ajuda - e até perguntei uma ou outra vez - era sempre com a consciencia de que não estaria à altura de o fazer convenientemente.
A inutilidade habitual... essa estranha companheira desde nascença está entranhada por baixo da minha pele. Resta-me tentar disfarça-la, na medida do possivel. Pode ser que este ano que começa consiga disfarçá-la melhor.

Os desejos de mudança que se pedem para o "ano novo" nunca são radicais, quando se tornam realidade - se se tornarem realidade. É incrivel como ao fim de poucas horas de volta a esta casa, parece que voltei ao ano passado.
A inutilidade que me acompanha ganha outras formas, porque não é tão decisiva, tão importante. Transforma-se numa quase infantilidade que se limita a juntar-se aos azares habituais a que esta casa me condenou, há muitos anos atrás.
Se se torna necessário trocar a botija de gás, é certamente sinal de que estou a meio de um banho.
Se estou a secar o cabelo, é sinal de que foi preciso ligar uma outra máquina qualquer e assim a luz "vai ao ar" e faz uma corrente de ar qualquer, para que o cenário do grotesco e do cúmulo se complete.

"Why does it always rain on me...?"






referer referrer referers referrers http_referer